O Movimento Piaga

 O movimento piaga compreende uma série de esforços da comunidade contemporânea auto identificada como herdeira da herança espiritual e identitária piaga, ou seja, herdeira da ancestralidade dos antigos povos pagãos que habitaram o Piauí antigo. Em resumo, o movimento piaga engloba aspectos religiosos, artísticos, culturais e identitários.

O pilar deste movimento é a espiritualidade, através da qual os membros se conectam em uma espécie de “eixo sagrado” ou “ponto de convergência”.

O aspecto religioso do movimento, que pauta todas as dimensões do mesmo, é denominado “Paganismo Piaga” ou “Piaganismo”, termo utilizado para descrever a tradição neopagã, politeísta, adotada na contemporaneidade como religião autóctone, por grupos pagãos da região piauiense.

Como outras tradições pagãs, o Piaganismo tem como características o politeísmo, a celebração de um calendário associado aos ciclos da natureza, bem como a valorização das tradições ancestrais nativas.

Caracterizado por ser um culto endêmico da região piauiense, é praticado por grupos denominados "Aldeias", dos quais o principal centro de culto é a Vila Pagã, comunidade politeísta localizada no município de José de Freitas, a 30 km de Teresina. Geograficamente, os praticantes dessa tradição se estendem do norte ao sudeste piauiense, restringindo-se a determinadas áreas.

Alguns estudiosos, como Ludwig Shwenhagen e Jacques de Mahieu, em obras literárias publicadas no século XX, referem-se aos povos piagas como antigos povos de culto solar, sendo os ancestrais dos atuais povos que habitam a região, tendo os mesmos colonizado a região antes da chegada dos portugueses ao Brasil.

Ao longo dos séculos, através da oralidade, das lendas, dos costumes ancestrais e especialmente dos grafismos rupestres, um fio de continuidade desta antiga tradição se manteve vivo de maneira subliminar, como uma espécie de criptopaganismo – paganismo oculto – mesclado com as tradições da religião dominante, no caso, o catolicismo.

Na atualidade, através das celebrações periódicas em que se reúnem os membros, são celebrados diversos Deuses estrangeiros e também do panteão nativo brasileiro.

 

Reprodução vetorizada de grafismo rupestre encontrado na Toca da Extrema II, região do Parque Nacional Serra da Capivara (Piauí), mostrando uma cena de culto onde homens celebram em torno de uma árvore.

O território piauiense possui um dos mais ricos acervos de arte rupestre do mundo, além de alguns dos primeiros vestígios da presença humana nas Américas, encontrados no Parque Nacional Serra da Capivara. Os adeptos do Piaganismo acreditam que os vestígios arqueológicos da região (cerâmica, pinturas rupestres, ornamentos, etc.) são heranças da sacralidade ancestral, por retratarem cenas da vida cotidiana, rituais e outros símbolos "misteriosos", encontrados em praticamente todo o território do Estado.

No Parque Nacional de Sete Cidades, no centro-norte do Piauí, foi encontrada a pintura rupestre acima, reproduzida aqui em forma de vetor. A mesma representa a entidade denominada pelos pagãos piagas de “Piaga Alado”.


Terminologia

O termo piaga significa o mesmo que pajé; sacerdote curador, xamã. De acordo com o escritor austríaco Ludwig Shwenhagen, o termo Piaga significa "Propagador de Fé" e seria uma referência aos antigos sacerdotes de culto solar, líderes espirituais que habitaram a região onde atualmente encontra-se o Piauí, antes da chegada dos portugueses. Alguns teóricos defendem que o termo piaga deu origem ao nome atual do estado do Piauí, que significaria literalmente "terra de piagas".

Bases para a Formação

O conjunto daquilo que conhecemos hoje como ancestralidade piaga foi reunido e compilado a partir das descobertas arqueológicas, da literatura produzida após a cristianização da região; além das tradições e saberes mitológicos, transmitidos através da oralidade. Com estes fios de continuidade, foi possível aprofundamentos nos estudos mitológicos, antropológicos, artísticos e culturais da ancestralidade piaga. Agregando os conhecimentos obtidos a partir de um olhar para o passado, juntamente com estudos e visões que consideram as perspectivas atuais, o Movimento Piaga ganhou força através das produções contemporâneas da literatura, da arte, da música, da arquitetura, da moda e das manifestações culturais em geral. 

Fontes literárias

As fontes literárias que deram embasamento inicial para a formação do movimento piaga consistem em obras sobre a história oculta do Piauí, bem como obras sobre a mitologia regional, incluindo livros no formato tradicional e também a literatura de cordel. Dentre os principais autores que abordaram a história mística da região: Ludwig Shwenhagen (Antiga História do Brasil, 1928); Jacques de Mahieu (Os Vikings no Brasil, 1976) e Reinaldo Coutinho (Enigmas de Sete Cidades, 1997; Arrepios e Assombrações em Sete Cidades, 2001). Dentre as obras que abordam a mitologia regional, destacam-se obras de Fontes Ibiapina (Passarela de Marmotas, 1973; Crendices, Superstições e Curiosidades Verídicas do Piauí, 1993), Pedro Costa (autor de cordéis sobre lendas e personagens locais); Josias Clarence Carneiro da Silva (Encanto e Terror das águas Piauienses, 1982) e Câmara Cascudo (Dicionário do Folclore Brasileiro, 1954; Geografia dos Mitos Brasileiros, 1947; etc.). Além das fontes citadas anteriormente, há diversas outras fontes que abordam aspectos da arqueologia, colonização e formação cultural do povo piauiense, sendo também utilizadas pelos pesquisadores que buscam entender o culto piaga. Cabe lembrar aqui que todos estes autores citados anteriormente, apesar de serem importantes fontes para a consolidação do movimento identitário piaga, não integram o movimento religioso piaga, fazendo parte de um primeiro momento literário, que denominamos aqui de “momento de resgate”.


Como uma continuidade e aprofundamento – dessa vez intencional – desse legado literário, surge na contemporaneidade, especificamente no ano de 2014, o Movimento Literário Piaga, com a publicação do manual “Paganismo Piaga: introdução, princípios e crenças” (Rafael Nolêto), contendo 50 páginas. Este foi, no momento, uma espécie de manifesto do que seria – a partir de então – o conjunto de esforços pela consolidação de uma fé e de uma identidade denominada “piaga” ou “neopiaga”.

Após a publicação do manual “Paganismo Piaga” em 2014, foi oficializada a formação do Círculo Piaga, cujos membros formalizaram seu ingresso neste movimento através de um ritual de consagração realizado na Vila Pagã, na noite de 20 de dezembro daquele mesmo ano.

Outros livros foram desenvolvidos como parte do processo de consolidação do Movimento Piaga, sendo eles: Caminhos Piagas (Rafael Nolêto, 2015); Ao Redor do Eixo (Rafael Nolêto, 2017); A Magia das Palmeiras (Rafael Nolêto, 2018); Cancioneiro Piaga (Rafael Nolêto, 2018); Mitologia Piaga (Rafael Nolêto, 2019); ALMAS: Martírio, Devoção e Milagre no Piauí (José Gil Barbosa Terceiro, 2019); O Povo do Fundo (Rafael Nolêto, 2020); Compêndio de Poções (Rafael Nolêto, 2020); Cumbuca Preta (Rafael Nolêto, 2021); Piaga Alado (Rafael Nolêto, 2022); A Magia dos Sacys (Rafael Nolêto, 2022); Gadanha Benevolente (Rafael Nolêto, 2023) e Vestes dos Cocais (Milena Rabelo, Rafael Nolêto e Sâmara Vanessa, 2023). Uma dezena de títulos de Literatura de cordel também compõem o movimento literário piaga.

 

Fontes arqueológicas

Muitos sítios arqueológicos no Piauí renderam informações valiosas sobre a antiga cultura do local. Alguns dos exemplos culturais mais antigos existentes são as pinturas rupestres encontradas no Parque Nacional Serra da Capivara e no Parque Nacional de Sete Cidades, ambos em território piauiense.

São grafismos encontrados em paredões, cavernas e pedreiras, espalhados por mais de mil sítios arqueológicos no Piauí. Os motivos mais frequentes das pinturas são cenas de caça, ritos sexuais, ritos com árvores, símbolos geométricos (espirais, círculos, losangos), animais e cenas do cotidiano. 

Estas descobertas parecem indicar a existência de diversas etnias, com hábitos nômades e vida baseada na caça e na pesca, além de uma vida religiosa intensa e integrada à natureza da região.

No Piauí também foram encontrados vestígios da passagem dos primeiros grupos humanos pelo continente americano. A arqueóloga Niède Guidon encontrou alguns dos sítios arqueológicos contendo artefatos que datam de 45.000 anos. 

Boqueirão da Pedra Furada, no Parque Nacional Serra da Capivara (Piauí)

Antigos Centros de Culto

Os membros de antigos aldeamentos indígenas piauienses (piagas) praticavam seus ritos em meio à natureza, por isso não há vestígios de templos edificados. A forma de culto praticada pelos antigos povos piagas assemelhava-se aos que eram realizados por outros povos politeístas, como celtas e bálticos, que realizavam seus ritos em bosques sagrados. Alguns sítios rupestres, como os da região do Parque Nacional de Sete Cidades, são considerados sagrados pelos atuais praticantes do Piaganismo, pelo fato de terem vestígios da passagem dos ancestrais da terra. Nesses sítios arqueológicos espalhados por todo o território do Piauí, há vestígios da ancestralidade piaga, em sugestivos grafismos rupestres. Dentre alguns dos principais locais antigos considerados sagrados para a religião piaga estão o Cânion do Rio Poti, o Parque Nacional de Sete Cidades e o Parque Nacional Serra da Capivara.


Na atualidade, os piagas têm como principal centro de culto a Vila Pagã, local estruturado na área rural do município de José de Freitas, a cerca de 30 quilômetros da capital Teresina. A Vila Pagã é um complexo que viabiliza a materialização do movimento piaga através dos templos, bosques sagrados, espaços culturais, monumentos, arquitetura e edificações em geral.

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